Por José Renato Nalini
[Artigo
originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo deste domingo(9/3)]
Tramitam
pelos tribunais brasileiros 93 milhões de processos, 20 milhões dos quais no
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
A
explosão da litigiosidade permite várias leituras. Para os otimistas, significa
o despertar da população para os benefícios de um acesso ampliado ao
equipamento estatal encarregado de solucionar conflitos. O povo descobriu o
Judiciário e a ele acorreu com sofreguidão.
Para os
realistas, é sintoma de enfermidade. Não pode ser saudável uma sociedade tão
beligerante. Os números dariam a sensação de que todo o Brasil litiga. Pois excluídas
as crianças, que em regra não demandam em juízo, e considerada a bipolaridade
da ação judicial —autor versus réu—, todos os habitantes do país estariam a se
digladiar em juízo.
Não é bem
assim: 60% dos processos são de interesse exclusivo do governo. São Paulo, por
exemplo, tem 12 milhões de execuções fiscais (cobrança judicial da dívida ativa
do Estado e dos municípios). Ainda não se disseminou a noção racional de que
cobrar dívida do governo não é função do Judiciário. A Procuradoria-Geral do Estado
já compreendeu e avançou num trato mais sensato. Porém, há inúmeros municípios
que continuam a atravancar os foros com milhões de executivos fiscais.
Outros
campeões de litigância são os fornecedores de serviços essenciais, as
instituições financeiras e bancos. A relação dos maiores litigantes não causa
surpresa, mas sugere um trabalho de conscientização para que os
preferencialmente demandados adotem alternativas de pacificação extrajudicial.
Essa é a receita para tornar o Judiciário um serviço público eficiente, como
determina a Constituição no artigo 37, ao contemplar os princípios incidentes
sobre a administração pública.
Fazer
Justiça não significa, inevitavelmente, ingressar em juízo. Ao escancarar o
acesso à Justiça, o sistema foi tão prestigiado que se tornou quase impossível
encontrar a saída. Afinal, sofisticamos tanto o modelo que chegamos ao
quádruplo grau de jurisdição —juiz de primeira instância, tribunal, Superior
Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal— com dezenas de possibilidades
recursais. É o que explica a duração de mais de uma década para o trâmite de um
processo.
O
pragmatismo anglo-saxão formatou múltiplas opções para solucionar controvérsias
independentemente de ingresso em juízo. O Brasil é tímido ao enfrentá-las. Mas
avançou bastante ao prestigiar a conciliação, a mediação e a alavancar a
arbitragem, velha conhecida dos profissionais do direito.
É urgente
intensificar o uso dessa estratégia. Os advogados podem e devem contribuir para
tanto, pois é dever inscrito no seu Estatuto de Ética e Disciplina tentar a
conciliação antes de adentrar o Judiciário. Assim como é dever ético dissuadir
a parte de promover lide temerária.
A
advocacia, essencial à administração da Justiça, precisa ser consultada
preventivamente, o que evitaria o surgimento de situações geradoras de
processos. Ao assumir atuação proativa rumo à precaução e prevenção de
litígios, o advogado poupará o seu cliente do prolongamento da angústia pela
indefinida duração de uma demanda.
Edificar
uma cultura de pacificação não atende exclusivamente à política de reduzir a
invencível carga de ações cometida ao Judiciário. O aspecto mais importante é o
treino da cidadania a ter maturidade para encarar seus problemas com autonomia,
situação muito diversa da heteronomia da decisão judicial.
Embora
chamado "sujeito processual", o demandante ou demandado se converte,
na relação jurídico-processual, em verdadeiro "objeto da vontade do
Estado-juiz". Este é que tarifará sua dor ou sofrimento, o valor de sua
honra e de sua liberdade. Enquanto que na via conciliatória, o próprio
interessado terá participação efetiva e obterá uma solução superiormente ética
à decisão judicial. Afinal, fazer Justiça é obra coletiva, num Brasil em que a
iniquidade ainda parece constituir a regra. Fonte :
Conjur e site da ArpenSP.
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