Segunda,
26 Agosto 2013 09:33
Por: Celso Fernandes Campilongo*
O direito
brasileiro vive uma revolução silenciosa. Pequenos ajustes introduzem mudanças
na Justiça. A economia exige esses avanços. Primeiro, foi a aceitação da
arbitragem. Agora é a vez da mediação e da conciliação. A Resolução nº 125, de
2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e o Provimento nº 17, de 2013, da
Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ) de São Paulo, são passos dessa marcha.
Mediação e conciliação são práticas antigas de ordenação pública. Incentivar o
notariado a exercer essas funções é boa escolha. Registros públicos são
voltados ao aprimoramento do direito. Fazer cumprir as leis é objetivo do
sistema jurídico. O Judiciário é caminho de satisfação do anseio. Outras
organizações que contribuam para a concretização do direito - especialmente
segmentos reconhecidos pela população, como serventias extrajudiciais - também
são bem vindas.
Nossa cultura promove excessiva judicialização dos conflitos. Pensamos em
termos de proibições precisas e no direito como a "regra do jogo". O
resultado é que as pessoas se sentem maltratadas pela Justiça. Na mediação, o
importante não é proibir: é favorecer o acordo. Mediador não resolve e não
reprime. Escuta e informa sobre as possibilidades da lei. Deixa a decisão para
as partes. Na mediação, o conflito é utilizado para melhorar a qualidade de
vida das pessoas, não para submetê-las à decisão de terceiros.
Mediador não sentencia. Facilita a saída consensual. Essa vocação é inerente à
função notarial. A imparcialidade do notário tem raízes em fundamentos diversos
daquela do juiz: o mediador é imparcial para permitir que as partes construam a
decisão; o juiz é imparcial como condição de legalidade da sua decisão.
Nada proíbe o instrumento particular e o auxílio de leigos na mediação.
Evidentemente, também nada impede a presença do advogado. Porém, ela não é
obrigatória. Na presença do tabelião a situação não muda. Qualquer instrumento
que possa ser elaborado por particulares, com ou sem mediadores, poderá ser
lavrado em cartório, por instrumento público. Diga-se o mesmo da mediação
facilitada pelo notário. Diferenças importantes estão no fato de que a solução
notarial gozará de fé pública, primará pelo respeito às leis vigentes e terá
confidencialidade. Mas, apesar de altamente recomendável, a presença do
advogado não é obrigatória, assim como não o é para a maioria das escrituras.
Exceção feita a inventário, partilha, separação consensual e divórcio - escrituras
que exigirão assinatura dos advogados-, na mediação ela não será obrigatória.
O Provimento nº 17/2013, que implementa a mediação extrajudicial, é questionado
no CNJ. Alega a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP)
que essas funções só poderiam ser criadas por lei e que a participação do
advogado seria obrigatória. Há exagero na posição. Quando da elaboração da
escritura, o notário sempre atua como mediador. Orienta e mostra o que o
direito autoriza, mas nada decide. Limita-se a controlar a legalidade e
facilitar o acordo.
A Lei de Arbitragem também faculta às partes eleição de árbitro, representação
por advogado e limita o objeto às causas que digam respeito a "direitos
patrimoniais disponíveis", isto é, que possam ser exercidos livremente
pelo titular. São as mesmas características que acompanham o provimento da CGJ:
facultatividade da eleição do terceiro (notário mediador), possibilidade (não
obrigatoriedade) de representação por advogado e limitação da atividade a
questões que envolvam "direitos patrimoniais disponíveis". Nas
arbitragens é rara a dispensa do advogado. Nas mediações ocorrerá o mesmo.
Assim como as arbitragens ampliaram o mercado de advogados, mediações alargarão
os horizontes da advocacia.
Paira preocupação de que o ambiente dos cartórios não seja propício à mediação.
Duas seriam as razões: notários são delegados de serviço público controlados
pelas corregedorias e teriam feições burocráticas incompatíveis com a
flexibilidade da mediação. Quanto à primeira crítica, há que se sublinhar que,
pela Constituição de 1988, serviços notariais são exercidos em caráter privado,
por delegação do Poder Público. Não há vinculação pessoal ou submissão
hierárquica ao Judiciário na gestão dos serviços. A qualificação dos títulos submete-se
exclusivamente à lei. E, caso o serventuário tenha dúvidas, judicializa a
questão, com as garantias do contraditório. Tudo reforça a independência.
Quanto aos vícios burocráticos, preconceito à parte, ainda não nos demos conta
de como o ingresso por concurso e os avanços tecnológicos rejuvenesceram as
práticas notariais.
Nenhuma instituição sobreviveria sem ineficiência. O sistema de notariado
latino demonstra versatilidade milenar. Está presente em mais de 80 países,
dentre eles Alemanha, França e Japão. Há tendência mundial para sua adoção,
como mostram Ásia e ex-União Soviética. Em muitos lugares, notários são
mediadores. O grande Joaquín Costa dizia, no início do século XX, que "o
número de sentenças deve observar razão inversa ao número de escrituras:
teoricamente, 'notaría abierta, juzgado cerrado'". Em 1950, o não menos
extraordinário Carnelutti lembrava: "Quanto mais notário, menos
juiz." Com um século de atraso, o direito brasileiro se movimenta no
sentido dessa revolução silenciosa. Para o bem de juízes, notários, advogados e
do cidadão.
* Celso
Campilongo é professor titular da Faculdade de Direito da USP e chefe do
Departamento de Teoria do Direito da PUC-SP
Fonte:
Jornal Valor Econômico.