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ARTIGO: JUNTOS E REGISTRADOS

Por: Jones Figueirêdo Alves*

A existência de uma união estável, como entidade familiar, constitui para os conviventes, nos termos da lei, direitos e deveres (artigos 1.723/1726, Código Civil) com os seus reflexos na sociedade e perante terceiros, a tanto a se exigir, sempre, uma regulação mais ampla.
No ponto, apresenta-se louvável a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, ao editar no último dia 7 de julho, o Provimento nº 35, quando dispõe sobre o registro de união estável, no Livro "E" do Oficio de Registro Civil das Pessoas Naturais, objetivando "conferir segurança jurídica na relação mantida entre os companheiros e desses com terceiros, inclusive no que tange aos aspectos patrimoniais".
Faculta-se o registro de uniões estáveis existentes, heteroafetivas ou as entre duas pessoas do mesmo sexo (homoafetivas), perante o Registro Civil, mediante um de dois instrumentos: (i) o da sentença judicial declaratória de reconhecimento da união estável; (ii) o da escritura pública de constituição da união estável (art. 2º). O registro produzirá somente efeitos patrimoniais entre os companheiros e somente entre si, não prejudicando terceiros (artigo 5º), e não efeitos da conversão da união estável em casamento (art. 9º). Lado outro, poder-se-á, também, averbar em Registro Civil, a dissolução da união estável, declarada em sentença ou mediante distrato, por escritura (art. 2º).
Quanto ao registro dissolutório da união, é significativo observar que: (i) não será exigível o prévio registro da união estável para que seja registrada a sua dissolução (artigo 7º). Porém, em existente o prévio registro, a dissolução será averbada à margem daquele primeiro ato registral (art. 7º, par. 1º); (ii) quando a dissolução operar-se por sentença e esta contenha menção ao período em que foi mantida, também deverá ser promovido o registro da referida união e, na sequência, a averbação de sua dissolução (art. 7º, par. 2º).
Uma consideração imediata impõe-se: a escritura pública de dissolução que contenha menção ao termo inicial ou ao tempo da união distratada, também exigirá, a nosso sentir, o registro da existência da união para posterior averbação à sua margem de sua dissolução escriturada, com igualdade registral de tratamento dos fatos. Aliás, a definição exata do período de convivência é de extrema relevância para a segurança jurídica das relações.
Inexistem, entretanto, para as uniões estáveis, normativos básicos e uniformes à regulamentação das escrituras públicas de suas constituições ou dissoluções. Segue-se, então, lembrar que a Lei nº 11.441, de 04.01.2007, alterando dispositivos do Código de Processo Civil, possibilitou a realização de inventário e de partilha amigáveis, de separação e de divórcio consensuais (em não havendo filhos menores) por escrituras públicas (via administrativa), não fazendo, todavia, previsão da dissolução de união estável, com ou sem partilha.
Assim, tem sido cumprido por Corregedorias Gerais de Justiça regulamentações a respeito das escrituras públicas de uniões estáveis (constituídas ou findas) e o registro no Livro "E" do Registro Civil das Pessoas Naturais, considerando os reflexos notariais e registrais da entidade familiar em espécie. Os Provimentos de nºs. 223/2011, da CGJ/Minas Gerais e 10/2011, da CGJ/SC e os Enunciados de associações de registradores (ARPEN´s), oferecem significativas contribuições ao tema.
Pois bem. O Provimento nº 35-CNJ traz algo novo e importante, mas não esgota a questão, precisando ser elucidado em diversos pontos. Os mais expressivos são: (i) o de não ser admitida a dissolução da união estável, por escritura, de conviventes com filhos menores, em analogia à vedação da Lei nº 11.4441/07 e em similitude ao art. 34 da Resolução nº 35/2007-CNJ; (ii) não disciplinar, ante idêntica relevância jurídica, o registro da união estável perante o álbum imobiliário (Registro de Imóveis), para os fins da segurança patrimonial do próprio convivente ou de terceiros, com averbação na matricula do imóvel comum, ou para instituição de bem de família; (iii) não dispor sobre contrato de convivência por escritura, para fins registrais, no tocante à sua iniciação, quando não configurado ainda, por òbvio, a estabilidade da união; (iv) não cogitar da realidade jurídica e legal dos conviventes que, embora casados, estejam separados de fato (artigo 7.723 § 1º, Código Civil), preferindo vedar o registro (artigo 8º, Prov. nº 35) ao invés de disciplinar melhor a hipótese, a exemplo de prova prévia da separação de corpos (judicial ou administrativa). Combinar união estável com a fé pública interessa ao direito e a todos.

*Jones Figueirêdo Alves -- O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Fonte: Diário de Pernambuco.

RESOLUÇÃO INSTITUI SELO DIGITAL NOS CARTÓRIOS DO CEARÁ



O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) aprovou, no último dia 5, resolução que institui o Selo de Autenticidade Extrajudicial Digital, no âmbito do Poder Judiciário estadual. A ferramenta será aplicada nos atos notariais e registrais das serventias extrajudiciais (cartórios),
A medida considera o dever do Poder Judiciário de orientar, fiscalizar e propor medidas convenientes ao aprimoramento dos serviços extrajudiciais e a Lei Federal nº 11.977/2009, que determina a inserção dos atos praticados pelos cartórios em sistema de registro eletrônico.
De acordo com o documento, será obrigatória a aplicação do selo digital em tudo o que for expedido pelo cartório. Ficam isentos apenas os atos de distribuição eletrônica e aqueles definidos como sem selo pela Tabela de Emolumentos em vigor.
O selo digital será impresso no próprio ato, sempre ao final de todas as informações, no canto inferior direito. A autenticidade do visto poderá ser objeto de conferência por qualquer interessado, por meio do acesso ao sítio eletrônico http://selodigital.tjce.jus.br/portal.
No uso do selo, será obrigatória a observância da sequência numérica. A falta de aplicação ou utilização fora de ordem acarretará a invalidade dos atos e papéis. Será disponibilizado pelo TJCE o Ambiente Tecnológico do Selo Digital para transmissão das informações pelos cartórios.
SUBSTITUIÇÃO
Segundo a resolução, a substituição do selo físico pelo digital ocorrerá de forma gradual, observando cronograma de implantação que será definido por meio de portaria da Presidência do TJCE. A adesão é obrigatória. Os próprios cartórios serão responsáveis por adquirir os equipamentos e sistemas necessários.
      
SELO DIGITAL
O selo digital é uma evolução do atual (físico e em adesivo). Consiste em uma sequência de alfanuméricos que serão gerados eletronicamente pelo sistema do Fundo Especial de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário do Estado do Ceará (Fermoju). Esses códigos são associados aos atos praticados nas serventias extrajudiciais.
A implantação da ferramenta tem como objetivo aprimorar a segurança dos atos praticados, por meio do gerenciamento das transações efetuadas, bem como oferecer maior efetividade na fiscalização das atividades dos cartórios.



Fonte: TJ-CE

GÊNERO NEUTRO OU 3°



Ativista transexual entrou com ação na Justiça para ter a possibilidade de se registrar sem gênero; recusado na primeira instância, o caso foi para o Supremo, que decidiu favoravelmente  

O Supremo Tribunal da Austrália aceitou a possibilidade do registro oficial de um terceiro gênero, dando ao cidadão a possibilidade de optar por um gênero neutro. Hoje, o registro estatal permite somente a escolha entre masculino e feminino.
A decisão surgiu a partir de uma demanda provocada pela ativista transexual Norrie, que havia entrado com uma ação no Tribunal de Nova Gales do Sul, em 2010. Na justificativa, o Supremo declarou que “uma pessoa pode não ser nem do sexo masculino nem do sexo feminino e é autorizado o registro como sendo de um gênero não especificado”.
Em 1989 Norrie se submeteu a uma cirurgia de adequação genital e a sua batalha pelo reconhecimento de sua identidade de gênero (feminina) começou em 2010, quando Norrie entrou com ação para se registrar no feminino, o que lhe foi negado e considerado ilegal. À época, a ativista declarou que a negativa da Justiça lhe “assassinava socialmente”. Frente a isso, Norrie levou o caso ao Tribunal de Nova Gales do Sul, em 2013, que também rejeitou a ação da ativista, porém, a decisão foi contestada e acabou no Supremo, que reverteu a decisão negativa.
Em entrevista à imprensa local, Norrie se “declarou” eufórica e disse esperar que as “pessoas entendam que não existem apenas duas opções quando se fala em identidade de gênero”. A decisão australiana, apesar de positiva, coloca algumas restrições similares às de outros países: para a pessoa adquirir o registro de “gênero neutro” terá de juntar documentação médica que justifique a mudança.
Ativistas do movimento LGBT comemoraram a decisão e acreditam que ela abre espaço para se lutar pelo legalização do casamento igualitário, que na Austrália não é permitido. “É essencial que o sistema legislativo reflita sobre a realidade da diversidade sexual na sociedade australiana”, declarou Anna Brown, jurista do Centro para os Direitos Humanos.
A decisão da Corte australiana abre margem para um debate que se arrasta desde o começo do século XXI, que é a questão dos sujeitos que nascem com os ambos os órgãos, os chamados intersex. Na Alemanha, a justiça permite que se registre como “gênero neutro” e na maturidade a pessoa decide em qual gênero será registrada. Fonte: Revista Fórum

MEDIDAS EXTRAJUDICIAIS PODEM TORNAR JUDICIÁRIO EFICIENTE



Por  José Renato Nalini

[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo deste domingo(9/3)]

Tramitam pelos tribunais brasileiros 93 milhões de processos, 20 milhões dos quais no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
A explosão da litigiosidade permite várias leituras. Para os otimistas, significa o despertar da população para os benefícios de um acesso ampliado ao equipamento estatal encarregado de solucionar conflitos. O povo descobriu o Judiciário e a ele acorreu com sofreguidão.
Para os realistas, é sintoma de enfermidade. Não pode ser saudável uma sociedade tão beligerante. Os números dariam a sensação de que todo o Brasil litiga. Pois excluídas as crianças, que em regra não demandam em juízo, e considerada a bipolaridade da ação judicial —autor versus réu—, todos os habitantes do país estariam a se digladiar em juízo.
Não é bem assim: 60% dos processos são de interesse exclusivo do governo. São Paulo, por exemplo, tem 12 milhões de execuções fiscais (cobrança judicial da dívida ativa do Estado e dos municípios). Ainda não se disseminou a noção racional de que cobrar dívida do governo não é função do Judiciário. A Procuradoria-Geral do Estado já compreendeu e avançou num trato mais sensato. Porém, há inúmeros municípios que continuam a atravancar os foros com milhões de executivos fiscais.
Outros campeões de litigância são os fornecedores de serviços essenciais, as instituições financeiras e bancos. A relação dos maiores litigantes não causa surpresa, mas sugere um trabalho de conscientização para que os preferencialmente demandados adotem alternativas de pacificação extrajudicial. Essa é a receita para tornar o Judiciário um serviço público eficiente, como determina a Constituição no artigo 37, ao contemplar os princípios incidentes sobre a administração pública.
Fazer Justiça não significa, inevitavelmente, ingressar em juízo. Ao escancarar o acesso à Justiça, o sistema foi tão prestigiado que se tornou quase impossível encontrar a saída. Afinal, sofisticamos tanto o modelo que chegamos ao quádruplo grau de jurisdição —juiz de primeira instância, tribunal, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal— com dezenas de possibilidades recursais. É o que explica a duração de mais de uma década para o trâmite de um processo.
O pragmatismo anglo-saxão formatou múltiplas opções para solucionar controvérsias independentemente de ingresso em juízo. O Brasil é tímido ao enfrentá-las. Mas avançou bastante ao prestigiar a conciliação, a mediação e a alavancar a arbitragem, velha conhecida dos profissionais do direito.
É urgente intensificar o uso dessa estratégia. Os advogados podem e devem contribuir para tanto, pois é dever inscrito no seu Estatuto de Ética e Disciplina tentar a conciliação antes de adentrar o Judiciário. Assim como é dever ético dissuadir a parte de promover lide temerária.
A advocacia, essencial à administração da Justiça, precisa ser consultada preventivamente, o que evitaria o surgimento de situações geradoras de processos. Ao assumir atuação proativa rumo à precaução e prevenção de litígios, o advogado poupará o seu cliente do prolongamento da angústia pela indefinida duração de uma demanda.
Edificar uma cultura de pacificação não atende exclusivamente à política de reduzir a invencível carga de ações cometida ao Judiciário. O aspecto mais importante é o treino da cidadania a ter maturidade para encarar seus problemas com autonomia, situação muito diversa da heteronomia da decisão judicial.
Embora chamado "sujeito processual", o demandante ou demandado se converte, na relação jurídico-processual, em verdadeiro "objeto da vontade do Estado-juiz". Este é que tarifará sua dor ou sofrimento, o valor de sua honra e de sua liberdade. Enquanto que na via conciliatória, o próprio interessado terá participação efetiva e obterá uma solução superiormente ética à decisão judicial. Afinal, fazer Justiça é obra coletiva, num Brasil em que a iniquidade ainda parece constituir a regra. Fonte : Conjur e site da ArpenSP.

ARTIGO: CONHECENDO OS CARTÓRIOS



Por: Fernando Alves Montanari*

Prossigamos com a demonstração sobre os verdadeiros mitos que, levianamente, se propagam sobre os cartórios.

TERCEIRO MITO – TODO DONO DE CARTÓRIO É RICO.
No que respeita à ilação “que todo dono de cartório é rico”, pensemos juntos.
Tomando por base a Lei Paulista de Emolumentos (cada estado tem a sua), veremos que o valor geral cobrado pelo cartório é dividido da seguinte forma: 62,5% são receitas dos notários e registradores; 17,763160% são receitas do Estado; 13,157894% são cobrados a título de contribuição à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado; 3,289473% são destinados à compensação dos atos gratuitos do registro civil das pessoas naturais e à complementação da receita mínima das serventias deficitárias; 3,289473% são destinados ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça; e 1% do que ganham os notários e registradores se destina às Santas Casas.
Ou seja, de cada R$ 100,00 que entram numa serventia paulista, R$ 37,50 serão repassados às entidades supra destacadas. Os donos de cartórios atuam como “substitutos tributários”, ou, para melhor entendimento: essa parcela de dinheiro não é deles, mas do Estado. Eles apenas angariam em nome do Estado.
Sabedor disso, você poderia me perguntar: - Então o registrador e/ou notário ganha R$62,50 de cada R$100,00 que cobra, certo?
Não, infelizmente você estará errado se assim concluir, pois existe uma lista básica de gastos do cartório que ele deve gerir, todos fiscalizados pelo Poder Judiciário. São eles: a) despesas de pessoal (aqui se inclui: salários; horas extras, às vezes com adicionais noturnos; décimos terceiros e reflexos; férias e reflexos; INSS e reflexos; FGTS; férias + 1/3 e reflexos); b) despesas de pessoal em alguns casos (cesta básica; assistência médica; transporte pessoal; vale refeição); c) despesas com profissionais (assessoria contábil e jurídica); d) despesas ordinárias (contas de água, luz, telefone, banda larga); e) despesas bancárias; f) aluguel; g) softwares de gestão e do serviço; h) equipamentos (informática, móveis); i) material de expediente (selos, folhas de segurança, biometria, fotografias, digiselos, papelaria); j) capital de risco; k) segurança, higiene e saúde do trabalho; l) digitalização do acervo por imposição legal; m) adequação da serventia aos portadores de necessidades especiais; n) serviços constantes de alvenaria e manutenção da serventia; o) despesas constantes na atualização e treinamento de funcionários; p) tributação (ISS, IPTU); q) comodidades (estacionamento, ar condicionado), etc..
Tomemos por exemplo uma serventia do estado que arrecade R$100.000,00 brutos por mês e possua 10 funcionários escreventes, cada qual ganhando R$ 1.400,00 (próximo do piso para esse porte de serventia). Eles custarão, somando-se somente as despesas trabalhistas e previdenciárias ordinárias, aproximadamente, R$ 2.500,00 cada (R$ 25.000,00 no total). Dos R$ 100.000,00 o dono do cartório ainda terá de repassar R$ 37.500,00 para as entidades supra identificadas, não nos esqueçamos. Terá, também, que gastar com as despesas mencionadas quase R$ 20.000,00, até mesmo porque não é só o aluguel que pula de R$ 3.000,00 para R$ 6.000,00 quando as pessoas resolvem contratar com o “dono do cartório”, mas tudo que ele precise sofre injusto aumento “em razão da pessoa”.
Chegaremos à absurda, mas comprovável soma de R$ 82.000,00. Então, o dono do cartório ganha R$ 18.000,00?
Não, porque ainda terá que pagar 27,5% a título de imposto de renda (R$ 4.950,00), mais R$ 850,00 a título de INSS pessoal, isso sem contar outras despesas que tem em razão do ofício.
Percebe-se que o problema não é ganhar aproximados R$ 10.000,00 dos R$ 100.000,00 arrecadados. O problema é que a maioria das serventias existentes não arrecada os cem mil por mês.
No estado bandeirante a maioria esmagadora (quase 600 cartórios) não ganha sequer dez salários mínimos, mesmo acumulando notas e registro civil das pessoas naturais. Por isso, são conhecidos como cartórios “deficitários”, e são suplementados até este valor e, por via direta, enxugam ao máximo seus gastos, mas são levados com dignidade, empenho e respeito à lei pela maioria dos seus titulares.
Imaginem que existem colegas em outros estados federados que ganham pouco mais de um salário mínimo para estar à frente de suas serventias. São verdadeiros guerreiros que amam as notas e os registros, os quais deveriam receber, ao menos, o devido reconhecimento e respeito de cada um de nós, até mesmo porque, em um minúsculo, em um pequeno, em um médio, grande ou mega cartório (estes últimos representam menos de 2% dos cartórios existentes), a responsabilidade pelo serviço prestado é a mesma. O serviço final deveria que ser igual. Apenas quanto maiores os cartórios, maior é o investimento em tecnologia, atendimento, estrutura e etc.. Maior, também, a capacidade para responder às absurdas indenizatórias que alguns advogados teimam em pleitear, sem qualquer fundamento, na chamada “indústria do dano moral”.
Imaginem se um cartório deficitário tiver que arcar com uma indenizatória de dez mil reais ou for compelido a recolher o INSS do titular no teto remuneratório. Este cartório poderá fechar suas portas, pois se torna economicamente inviável, e a população restará sem tais serviços.
Não se esqueça que, dos funcionários que uma serventia tem, o seu responsável deve destacar uma parcela para trabalhar gratuitamente para os órgãos administrativos públicos, alimentando seus cadastros de controle exercidos sobre nós mesmos (os particulares) como, por exemplo, as fazendas federais, estaduais e, em alguns casos, municipais, os sistemas ambientais, as secretarias de saúde, os institutos de identificação, os serviços militares, a justiça eleitoral, o INSS, etc.. Dispêndio esse, mais uma vez, do dono do cartório, sem qualquer contraprestação, mas, sim, sob forte e inarredável fiscalização do Poder Judiciário.
Por derradeiro, poderiam me perguntar ainda: - ganhando isso com essa responsabilidade, vale a pena ser dono de cartório?
Eu digo que, ganhando pouco ou muito, não é o valor auferido que mensura isso.
É lógico que é melhor ganhar mais por aquilo que fazemos, não sejamos hipócritas. Mas, para ganhar mais, devemos estudar muito para o concurso aberto a todos e escolher uma das pouquíssimas serventias mais lucrativas.
O que importa é o amor pela profissão e isso se comprova pelos usuários dos cartórios. Se estiverem felizes e satisfeitos com o serviço que é prestado, em um mega ou em um simplório cartório, e se esta satisfação alimenta o espírito de seu dono para estudar, trabalhar e querer ver o serviço bem prestado e segundo a lei, vale a pena sim.
Se dono de cartório ganha bem?
Ganha honradamente pelo seu trabalho técnico bem executado.
Mas se ele não vai ao cartório, embora essa seja sua obrigação. Se ele está à frente de uma serventia só no papel. Se presente ao cartório, não melhora seu serviço e não busca o progresso do nosso atendimento de acordo com o que o município pede. Se não estuda. Se não se adéqua tecnologicamente. Se não dá cabo aos problemas ordinários que lhe são apresentados por imperícia ou negligência.
Se for preconceituoso e/ou presunçoso, achando que engana a todos, inclusive os mais humildes. Se tudo isso acontecer e outras bizarrices que existem por esse torrão afora, tenha certeza, ele está ganhando bem, embora ele sempre pense que não é devidamente remunerado para isso. Neste caso, é nossa obrigação denunciar suas condutas para o Poder que pode fiscalizá-lo, corrigi-lo e puni-lo, o Judiciário. Até mesmo porque, os que amam a profissão e a executam com a sacralidade que ela merece, não serão afetados por injúrias e mentiras contra os mesmos propagadas, tendo em vista que estas não terão amparo fático algum e não poderão ser comprovadas.
Nesse passo, surge outra dica: somos nós que fiscalizamos, por primeiro, os serviços de notas e registros públicos, pois o Judiciário só atuará dentro dos contornos legais ou por provocação.
Os registros públicos são essenciais e, por isso mesmo, o reduto de nossas liberdades e direitos dentro do estado democrático que vivemos, devendo ser condizentemente remunerados aqueles que o executam, pois são nossas vidas, liberdades, segurança, igualdade e propriedade que os mesmos tutelam, valores estes basilares de nossa existência.
Ah, quase me esqueci da resposta à pergunta: todo dono de cartório é rico?
Não e sim.
Não, pois, como acontece com qualquer profissão, somente uma pequeníssima e ínfima parcela dos donos de cartório acumulou substancial riqueza em relação à sociedade em que vive.
Sim, pois todos possuem o valor do trabalho e de proteção aos direitos fundamentais no mister que desenvolvem, valores estes que dinheiro nenhum pode comprar. Por isso, não se trata de um “selinho” colado numa folha, de imprimir em um “papel bonito”, ou de “bater carimbo em nome da burocracia”, mas de tutelar direitos e garantias que não podem (e jamais deverão) ser comprados com o dinheiro.
Direito é coisa séria, cuja opulência do dinheiro não deveria servir como valoração. Jamais!
Permitirmos que se barganhe com as notas e os registros públicos significa permitirmos que se atribua valor monetário à essencialidade que nos constitui como seres humanos como, por exemplo, o que fizemos com a liberdade daqueles que foram vendidos como escravos em solo brasileiro, período de vergonha de nossa história e que repercute negativamente até os dias atuais.
Notas e registros públicos são tão sérios que representam uma de nossas defesas contra os próprios desmandos do Estado, que não pode retroagir ante nossas históricas conquistas insculpidas na Constituição da República.
*Fernando Alves Montanari é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do município de Lourdes, Comarca de Buritama-SP.

Fonte: Jornal Manchete da Região - Buritama